Mantendo as aparências...
Há pessoas que conseguem guardar tudo para elas, manter partes do seu mundo privadas e escondidas dos outros. Eu tenho que ser sincera, nunca fui muito boa a guardar coisas para mim - segredos dos outros, sim... Mas no que diz respeito à minha vida, fui sempre um livro bem aberto, pois acho que guardar as coisas para mim só me faz sentir pior... Tipo uma panela de pressão, que vai acumulando o stress, e um dia rebenta. Eu não sou nenhuma panela de pressão, porque gosto de soltar os meus desabafos sempre que me apertam no peito, e há quem ache isso de muito mau tom. Eu chamo a isso sobrevivência. Não quero voltar a 1999, quando fiquei com uma depressão debilitante que me tirou do meu trabalho durante mais de 2 meses, e me colocou à mercê de antidepressivos e ansiolíticos.
Já faz algum tempo que não vinha aqui. Em parte devido ao excesso de trabalho, que agora com o início das aulas se acumulou vertiginosamente. Ando a fazer muitas vezes dias maiores que 12 horas, durmo 4-5 horas por noite, e nem no fim de semana me escapo. A razão de eu ter aceite tanto trabalho prende-se com a necessidade de ter de assegurar dinheiro para as minhas contas enquanto estiver de licença de maternidade, porque a ganhar 500 libras por mês não vou muito longe. O meu marido também não ganha rios de dinheiro, e enquanto não tratar do National Insurance Number dele (apesar de eu pedir insistententemente para o fazer), não vou poder sequer pedir ajudas de custo para a renda da casa. Para complicar descobri há pouco tempo que terei de fazer um doutoramento se quero realmente seguir uma carreira no mundo académico, o que significa mais pressão adicionada aos já difíceis factores financeiros ligados a ter um filho, e um marido que nem sequer está registado como trabalhador - não tem contrato e nem faz descontos de imposto ou de segurança social.
Tenho muitas coisas na minha cabeça, todos os dias, desde que acordo até que me deito. Se nesta altura a pressão do trabalho é a mais forte, há definitivamente certas coisas na minha vida que não estão a correr pelo melhor. Graças a Deus a gravidez está a correr bem, mas o mesmo não posso dizer do meu casamento. Há dois dias que o meu marido e eu dormimos em camas separadas, e por mais que eu queira que as coisas resultem, aquilo que ele me disse antes de ir cada um para o seu lado fechou definitivamente a porta do meu coração para ele. Ele quer ser meu 'amigo'. Eu já lhe disse que se é para sermos amigos, então não quero continuar este casamento, não sou pessoa de manter fachada - ou é casamento, ou não é... e se não é, então adeus. Eu consigo perfeitamente gerir a minha vida (e a da minha filha que aí vem) sózinha.
Nesta altura, mantemos aparências, mas vos garanto que não sou mesmo desse tipo - ou isto se define ou ele bem pode agarrar nas coisas dele e ir-se embora. 'Amigos' eu tenho muitos, não preciso de mais um, ainda por cima um que more comigo e que me dê stresses e tristezas como ele me tem feito até agora. Fingimos que estamos juntos, quando de facto não estamos juntos - nem fisicamente, nem psicologicamente. Isto porque pensamos de maneiras muito diferentes, essencialmente ele não entende a necessidade de tratar da regularização do nosso casamento em Portugal - o que significa que quando a nossa filha nascer, o nome da mãe dela no certificado de nascimento vai ser o meu nome de solteira. Faltam 4 meses e pouco para a bebé nascer, e se ele em 6 meses não conseguiu tratar dos papeis, tenho a certeza que não é em quatro meses que vai conseguir tratar deles atempadamente - até porque só o processo no consulado demora quase dois meses. Resultado? Uma facada na minha confiança nele - já não acredito em nada do que ele me diz.
Não vou negar que tenho um génio difícil, mas isso é porque tudo na minha vida me custou a ganhar, trabalhei bastante e arduamente para chegar onde cheguei. Sinto muitas vezes que ter um parceiro é uma vulnerabilidade, porque sempre que estou sozinha consigo viver mais tranquila, não tenho depressões nem situações que me deixam fora do sério, nem medos de estar fora da lei - o controlo está certamente na minha mão quando estou solteira. Não me levem a mal, eu gosto de ter uma pessoa ao meu lado - mas não uma pessoa que pensa que lá porque assinámos papeis de casamento, o meu papel de mulher tem de se alterar para incluir a lida da casa, as lavagens de roupa suja, e cozinhar o almoço ou o jantar sempre que necessário for. Mais, não suporto ter de pedir que me façam coisas montes de vezes(como por exemplo limpar o bolor do tecto do quarto com lixívia, porque eu não queria tocar nesse produto OU no bolor enquanto estou grávida) e acabar sempre eu a resolver a situação - e sim, sou eu que limpo a caixa do meu gato.
Talvez esta rebelião interior que eu sinto neste momento tenha a ver com as hormonas da gravidez - mesmo assim, não acho que por ter casado o meu papel de mulher deva mudar. Até porque eu não sou uma mulher qualquer - eu sou uma mulher moderna, com uma carreira pela frente, e o meu trabalho é tudo para mim. A minha família é prioridade, mas por isso mesmo é que eu estou a trabalhar que nem louca, para poder manter os pagamentos das minhas contas e da minha parte da renda da casa, para poder comprar as fraldas, e o que quer que seja que a minha filha precisar. O dinheiro que o meu marido ganha mal dá para a parte das contas dele, quanto mais para esse tipo de encargos. Nesta altura, o meu trabalho é o que nos permite, como família, viver sem sobressaltos financeiros de maior, mas para além disso dá-me uma realização pessoal como eu nunca senti antes. Eu vou a sorrir para o meu emprego, eu fico feliz quando posso partilhar o meu conhecimento com os meus alunos e vice-versa. Mesmo que o meu dia esteja cheio de problemas, eu vou para a universidade de coração leve. É quando chego a casa que o coração me começa a pesar, e que as nuvens se começam a amontoar. Não, eu já não gosto de vir para casa, a casa para mim virou prisão.
E depois não é só isso, eu venho para casa, e não me sinto respeitada cá dentro. O marido ajuda a lavar a loiça, e pouco mais faz do que isso. Se o jantar não está pronto, acusa-me de o fazer passar fome, não repara que muitas vezes eu estou enroscada no meu próprio trabalho, a resolver complicações que precisam de ser resolvidas. Espera que eu esteja sempre disposta e alegre - não compreende que os meus dias começam às 7h da manhã e acabam muitas vezes para lá da meia-noite. Para além desta pressão entre a vida doméstica e a vida profissional, emergem-se incertezas em relação ao futuro. Cada vez me sinto mais desapoiada, e apesar de ter amigas que ouvem os meus lamentos, elas também têm a vida delas... O apoio familiar está em Portugal - um perto que é muito longe, principalmente naquelas noites em que as lágrimas caiem mas ninguém parece querer atender o telefone para me acalmar e dizer que tudo vai ficar bem.
E eu acabo sózinha num quarto a analisar o que foi que correu mal desta vez, e tentar encontrar saídas para esta prisão onde me encontro, e o silêncio é ensurdecedor. Quando a minha filha nascer, eu vou ter ela para abraçar e para me dar força. Até lá, tenho um marido que é tudo menos um marido - pois não entende que aos 5 meses de gravidez, com a carga de trabalho e de incertezas que eu tenho todos os dias, é difícil sorrir. Um marido que quando me leva a passear é sempre para ir ver a família dele, e normalmente isso implica quase 2 horas de viagem numa carrinha desconfortável e muita fome durante o dia, pois nunca pára para me dar de comer. Eu já decidi que com ele não vou mais para Londres.
Tenho um marido que sabe o nível absurdo de trabalho que eu tenho, e apesar de estarmos chateados um com o outro, traz família cá para casa para me dar trabalho, porque tenho de fazer sala, jantar, etc... Não que eu não goste de ter cá a família dele, mas desta vez deu-me a sensação que ele o fez para evitar conflitos de maior, ou para provocar ainda mais conflito, porque esqueceu-se que eu não posso dar atenção a ninguém quando tenho de criar um exame, dois testes de avaliação e um relatório PARA ESTA SEMANA. Não lhe perdoo. Não lhe perdoo a falta de consideração, a falta de atenção. Estou farta e não tenho paciência. Eu já tenho de tomar conta do ser que está dentro de mim, e esta crise entre mim e o meu marido dá-me vontade de sabotar tudo o que tenho, inclusivé a minha filha, porque acho que ele não merece ser pai quando nem sequer sabe ser um bom marido. Deus me perdoe, porque ontem fui para a cama sem comer. E hoje pouca fome tenho. Mas a verdade é que a minha filha não pediu a ninguém para ser criada, ela existe porque eu quis que ela existisse, e por isso mesmo a partir de hoje vou por ela à frente de tudo e de todos. O meu marido não merece muita coisa, mas a minha filha não merece ser colocada no meio destas disputas estúpidas.
Um casamento pode acabar de um dia para o outro, mas um filho dura para sempre, e por isso tudo o que tenho é e será sempre para a minha filha... Chega de injustiça.