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E o céu azul brilhará...

Diário de uma académica portuguesa em Londres

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09
Jun16

Feminista não é nome feio!

Little Miss Sunshine

igualdade.jpg

 

 

Hoje quando fui deixar a minha filha mais velha na escola, depois de pendurarmos o casaco e antes de eu lhe dar um beijinho de despedida, ela aproximou-se de um viveiro de borboletas onde estavam também mais dois rapazes e uma menina. Quando a minha filhota decidiu tocar no viveiro, por curiosidade (nós temos um igual mas mais pequeno em casa, e na verdade estamos à espera que as crisálides se transformem em borboletas a qualquer momento), um dos meninos virou-se para ela e disse, em Inglês, algo do género: 'os meninos vão primeiro, e só depois é que vão as meninas'.

 

 Eu fiquei logo azeda. Lá tive de perder 5 minutos a explicar (mais uma vez) que ela não precisa de esperar por menino algum para poder fazer aquilo que ela quiser fazer. Todos os dias lhe mostro que uma pessoa pode ir atrás dos seus sonhos e da sua felicidade, seja homem, mulher, hermafrodita, homossexual, ou deficiente físico e/ou mental. Eu mesma sou o exemplo de uma pessoa que largou tudo, e ignorou os limites e as convenções tradicionais impostas pelos outros para poder ir atrás dos meus sonhos. Ainda hoje faço isso, e não acredito em catalogar as pessoas seja pelo que for, e com isso diminuir a capacidade delas atingirem os seus objectivos na vida.

 

Lugar de mulher é onde ela quiser, eu sempre disse isso. Lugar de homem é onde ele quiser também. Uma coisa não invalida a outra. Nunca escondi de ninguém o tipo de pessoa que eu sou. Acredito que todos devem fazer a sua parte de igual para igual, 50/50. Mas ainda há gente que defende uma cultura de machismo, que acha que mulher ainda tem de seguir o padrão clássico de sacrificio e comportamento. É a mentalidade dessas pessoas - mais até que a sociedade em geral - que cria essas limitações entre homem e mulher - e pior, que faz com que essas diferenças sejam normalizadas.

 

Por exemplo, perguntem o que é o casamento para uma mulher? E depois perguntem o mesmo para o homem? As respostas vão depender das expectativas de um e de outro. Não acho certo, por exemplo, a mulher ter de trabalhar fora e ainda ser responsável por tratar das logísticas todas da casa, das crianças e do marido por cima das suas próprias necessidades. A mulher, no geral, é a que mais se sacrifica pela família e o seu trabalho, a sua vida e a sua saúde são relegados para segundo plano em prol de um bem maior. O homem encara o casamento como o seguimento da sua vida de solteiro, mas sem a liberdade para fazer o que ele quer. A esposa substitui a mãe, e quando ela cobra do marido que nunca está em casa, ele sai para arejar ou fica sentado no carro á porta de casa, para evitar ter de enfrentar aquilo que a esposa enfrenta desde que acorda até que adormece. Por isso mesmo, por eu achar que o papel da mulher e do homem dentro de casa deve ser igual, e que ambos devem contribuir de forma igual para as responsabilidades daquilo que ambos contruiram juntos, fui muitas vezes chamada de feminista - como se isso fosse um nome feio. 

 

Hoje, numa conversa com amigos, descobri que ser feminista não é algo feio, nem algo de que se deve ter vergonha. Passei tanto tempo a ser chamada feminista com uma conotação negativa, que acabei por interiorizar isso como sendo um defeito, em vez de uma qualidade. Descobrir que ser feminista - lutar pela igualdade das mulheres entre os homens - não é,na verdade, equivalente a chamarem-me um nome feio. É defender aquilo que eu sou, uma mulher, e defender também aquilo que as minhas meninas serão. Como mulher e mãe, lutar para que as minhas filhas tenham um futuro sem limites, sem condiçoes e sem preconceito, é positivo. Descobrir isto foi uma libertação.

 

A mulher foi - e continua a ser - tratada como um ser inferior, a ser paga menos que homens na mesma posição, e a ter mais dificuldade em atingir cargos séniores numa empresa. Continuamos a ser obrigadas a fazer muito mais do que os homens fora de casa, e ainda temos a responsabilidade de gerir um lar e um casamento por cima disso tudo. O homem continua a achar que a mulher tem de ser ajudada, e não vê a sua presença na família como um cargo para o qual ele também tem e deve contribuir. Porque esta é a minha maneira de pensar, ouvi muitas vezes que eu não me deveria ter casado, que deveria ter arranjado um sócio, somente porque eu exijo que cada pessoa dentro de casa faça a sua parte. Decisões tomadas a dois têm implicações para os dois, as responsabilidades são para se dividir juntamente com as coisas boas dessas mesmas decisões. É uma questão de justiça e igualdade. 

 

Os limites que a sociedade nos impõe infelizmente começam cedo. São pequenas cobranças que nos fazem desde o dia que nascemos. Quando nos vestem de rosa ou azul, para que essa mesma sociedade nos reconheça e nos aceite, estamos-nos a conformar com esta divisão tradicional de homem/mulher. Depois vêm outros pais, com generalismos: 'os rapazes choram muito menos, as raparigas choram muito mais'. Ou 'os meninos gostam de saltar e partir coisas, as meninas gostam de brincar com bonecas...' - Tudo esterotipos sem qualquer fundamento científico. 

 

Eu mesma, na minha vida, vi-me muitas vezes vítima das minhas escolhas. Na escola primária, eu era das poucas meninas com cabelo curto, e fui sempre motivo de chacota por isso, e por ser gordinha, e por usar roupas confortáveis em vez de usar roupas de marca. Na escola secundária, eu fui das (muito) poucas meninas que tiveram electrotecnica e mecanotecnia. Como só me dava com rapazes, e tinha muitos e bons amigos do sexo masculino (alguns dos quais continuam meus amigos até hoje), eu era falada e tinha a ´fama´ de ser fácil - apesar de nunca me ter deitado com ninguém até ser maior de idade.

  

Depois mais tarde, quando ingressei na força aérea, ouvi muitas vezes que mulher vai para a tropa para arranjar namorado, ou ver as vistas. Sim, eu adorei marchar até não poder mais, correr até quase demaiar, saltar da cama ás 4 da manhã em t-shirt e calções no meio de Novembro em Vila Franca só mesmo para poder admirar o traseiro dos meus camaradas, e conseguir uns amassos fáceis *sarcasmo*. 

 

Felizmente algumas coisas começam a mudar. Eu, por exemplo, tenho tido sorte com o meu trabalho, com muito compromisso e sacrificio tenho na minha mão oportunidades que nunca pensei atingir por estar separada. Mas há 10 meses que pago todas as minhas contas, cuido das minhas filhas a tempo inteiro, e ainda tenho sonhos que sei estarem agora mais perto que nunca. Hoje o meu autocarro para o meu trabalho estava a ser conduzido por uma mulher. Quando eu era pequenina, era inimaginável ver uma mulher a conduzir qualquer tipo de transporte público. 

 

E eu vou tentar sempre que as minhas filhas tenham um dia orgulho em ser mulheres, e que por isso mesmo não devem deixar homem algum impôr limites naquilo que elas mesmas se propuserem a alcançar. Possibilities are endless.

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