Uma das razões porque eu deixei de escrever aqui tem a ver com o meu marido. Um dos desabafos que eu por aqui escrevi quase acabou com o meu casamento e eu senti que deveria deixar de escrever por aqui durante um tempo. Entretanto, os dias foram-se tornando meses e parece que me distanciei deste blog mais do que gostaria. Na verdade, o facto de ter este blog ajudou-me muitas vezes em tempos de incerteza e tristeza, e ajudou-me a conhecer-me melhor como pessoa, através da re-leitura dos meus posts. Por isso foi muito difícil ter de escolher entre este meu mundo, da qual eu sou personagem há quase 7 anos, e a minha pequena família que só começou há dois.
Mas eu tive de escolher, numa altura de grande fragilidade, eu grávida, ou era isto ou o meu marido. Escolhi o meu marido para bem da minha filha, mais do que para o meu próprio bem. Não me levem a mal, eu amo o meu marido, mas há certas coisas que eu tive de mudar na minha personalidade para poder levar a vida que hoje levo, opções que eu tive de tomar e que nem sempre senti que eram as opções certas para mim, mas sim as opções certas para que a minha pequena família não se desmoronasse diante dos meus olhos.
O meu marido faz hoje 36 anos. Esta deveria ser uma data especial, de alegria, um dia de comemoração. Mas cá estou eu, em casa, sózinha com a minha filha. Depois de lhe ter dado a prenda de anos esta madrugada, e de lhe ter desejado os parabéns, não recebi um beijo, não recebi um obrigado... Isto fez-me pensar... Ando eu a sacrificar partes da minha vida que me são importantes, que são parte de mim (como este blog) por uma pessoa que não valoriza certas acções de afecto de minha parte...?
Ontem levantou-me a voz, com uma atitude de quem não quer saber, e eu acabei por ir para a cama mais cedo, a chorar, para dar de mamar à filha, e com uma sopa apenas no bucho... Tudo porque ele fez algo errado (deixou sair o gato de casa, e nós temos duas portas da entrada, mas ele tinha de deixar as duas portas abertas, sabendo que o gato estava a recuperar de uma cirurgia e da outra vez que esteve na rua desapareceu por 2 semanas e meia!!) e não admitiu. Destrata verbalmente os animais, como se a culpa fosse minha. Eu sou responsável, eu não falho com comida, vacinas, veterinário!! Eu amo os meus animais e ele detesta-os por isso mesmo, porque eu os amo tanto. E os nossos animais foram sempre ponto de desacordo entre nós, levando-me muitas vezes a pensar que se eu soubesse a posição dele face a ter um cão e um gato talvez nunca me tivesse casado com ele, porque para mim, uma casa sem animais é uma casa triste e infeliz.
Para piorar, ainda atirou umas bocas, com desdém, que ele estáva cansado do trabalho - eu acredito que esteja... Mas quando eu lhe disse que a minha vida em casa também não era fácil, fez um ar de cinismo e com sarcasmo, lançou um esgar, como se o trabalho dele fosse realmente pior do que ficar em casa... Pois a minha vontade foi deixar-lhe a filha e voltar eu ao trabalho, para ele ver o que é bom. Mas ele ainda não tem mamas que produzam leite, o mal é esse... Será que ele sabe que, desde que ela nasceu em Março que eu não durmo uma noite seguida!? ELE NÃO ACORDA DE NOITE para nada... Desde MARÇO que eu não tenho uma FOLGA, um dia de descanso para jogar PLAYSTATION, ou fazer aquilo que ME APETECE, como ir a um barbecue de amigos. Ele fez isso tudo...
Todos os dias, ainda tenho que fazer almoço e jantar, senão o meu leite não é bom e a filha fica rabujenta, e pode até perder peso. Ele acha que está a fazer muito por mim deixando o meu pequeno almoço na mesa de cabeceira todos os dias? Não é por mim que o faz, é pela filha - porque se eu como bem, a filha bebe um leite mais nutritivo logo pela manhã. Esta semana nem tenho almoçado de jeito e eu bem vejo como a filha anda rabujenta e dorme mal. Tento ao máximo fazer o que posso em casa, entre as sestas da menina, e é raro ter um tempo de descanso para mim. Passo o dia sózinha, muitas vezes sem falar com ninguém. Quando saio com as minhas amigas, umas duas vezes por semana, ele acha que eu estou na boa vida, mas na verdade só muda o meu cenário. Tenho de mudar fraldas na mesma, dar de mamar na mesma, acalmar o choro da filha na mesma... O cansaço é até maior porque estou fora do meu ambiente.
Por isso, como ousa ele dizer que está cansado do trabalho, quando dormiu uma noite inteira, e ainda pode dormir uma sesta quando chega a a casa? Estou tão furiosa com ele que só quero ir para Portugal, dar um tempo e esquecer a minha vida aqui, porque sinceramente eu estou sem paciência para a vida de casal nesta altura. Na verdade desde que a filha nasceu que nós somos um casal na teoria, porque eu não consigo sequer pensar em olhar para ele de outra maneira enquanto eu não conseguir descansar aquilo que eu preciso. Eu ando exausta. E irrita-me quando me dizem para eu não levantar ondas, porque eu só me chateio se me falarem mal, como ele fez. Não foi ter deixado o gato sair que me deixou incomodada, foi as coisas que ele me disse e a maneira como ele me as disse que me deixou triste.
Por isso, hoje, estou sem vontade de celebrar este dia especial para ele. Que contraste. O ano passado foi um dia super-especial. Este ano, é um dia para esquecer.
Há pessoas que conseguem guardar tudo para elas, manter partes do seu mundo privadas e escondidas dos outros. Eu tenho que ser sincera, nunca fui muito boa a guardar coisas para mim - segredos dos outros, sim... Mas no que diz respeito à minha vida, fui sempre um livro bem aberto, pois acho que guardar as coisas para mim só me faz sentir pior... Tipo uma panela de pressão, que vai acumulando o stress, e um dia rebenta. Eu não sou nenhuma panela de pressão, porque gosto de soltar os meus desabafos sempre que me apertam no peito, e há quem ache isso de muito mau tom. Eu chamo a isso sobrevivência. Não quero voltar a 1999, quando fiquei com uma depressão debilitante que me tirou do meu trabalho durante mais de 2 meses, e me colocou à mercê de antidepressivos e ansiolíticos.
Já faz algum tempo que não vinha aqui. Em parte devido ao excesso de trabalho, que agora com o início das aulas se acumulou vertiginosamente. Ando a fazer muitas vezes dias maiores que 12 horas, durmo 4-5 horas por noite, e nem no fim de semana me escapo. A razão de eu ter aceite tanto trabalho prende-se com a necessidade de ter de assegurar dinheiro para as minhas contas enquanto estiver de licença de maternidade, porque a ganhar 500 libras por mês não vou muito longe. O meu marido também não ganha rios de dinheiro, e enquanto não tratar do National Insurance Number dele (apesar de eu pedir insistententemente para o fazer), não vou poder sequer pedir ajudas de custo para a renda da casa. Para complicar descobri há pouco tempo que terei de fazer um doutoramento se quero realmente seguir uma carreira no mundo académico, o que significa mais pressão adicionada aos já difíceis factores financeiros ligados a ter um filho, e um marido que nem sequer está registado como trabalhador - não tem contrato e nem faz descontos de imposto ou de segurança social.
Tenho muitas coisas na minha cabeça, todos os dias, desde que acordo até que me deito. Se nesta altura a pressão do trabalho é a mais forte, há definitivamente certas coisas na minha vida que não estão a correr pelo melhor. Graças a Deus a gravidez está a correr bem, mas o mesmo não posso dizer do meu casamento. Há dois dias que o meu marido e eu dormimos em camas separadas, e por mais que eu queira que as coisas resultem, aquilo que ele me disse antes de ir cada um para o seu lado fechou definitivamente a porta do meu coração para ele. Ele quer ser meu 'amigo'. Eu já lhe disse que se é para sermos amigos, então não quero continuar este casamento, não sou pessoa de manter fachada - ou é casamento, ou não é... e se não é, então adeus. Eu consigo perfeitamente gerir a minha vida (e a da minha filha que aí vem) sózinha.
Nesta altura, mantemos aparências, mas vos garanto que não sou mesmo desse tipo - ou isto se define ou ele bem pode agarrar nas coisas dele e ir-se embora. 'Amigos' eu tenho muitos, não preciso de mais um, ainda por cima um que more comigo e que me dê stresses e tristezas como ele me tem feito até agora. Fingimos que estamos juntos, quando de facto não estamos juntos - nem fisicamente, nem psicologicamente. Isto porque pensamos de maneiras muito diferentes, essencialmente ele não entende a necessidade de tratar da regularização do nosso casamento em Portugal - o que significa que quando a nossa filha nascer, o nome da mãe dela no certificado de nascimento vai ser o meu nome de solteira. Faltam 4 meses e pouco para a bebé nascer, e se ele em 6 meses não conseguiu tratar dos papeis, tenho a certeza que não é em quatro meses que vai conseguir tratar deles atempadamente - até porque só o processo no consulado demora quase dois meses. Resultado? Uma facada na minha confiança nele - já não acredito em nada do que ele me diz.
Não vou negar que tenho um génio difícil, mas isso é porque tudo na minha vida me custou a ganhar, trabalhei bastante e arduamente para chegar onde cheguei. Sinto muitas vezes que ter um parceiro é uma vulnerabilidade, porque sempre que estou sozinha consigo viver mais tranquila, não tenho depressões nem situações que me deixam fora do sério, nem medos de estar fora da lei - o controlo está certamente na minha mão quando estou solteira. Não me levem a mal, eu gosto de ter uma pessoa ao meu lado - mas não uma pessoa que pensa que lá porque assinámos papeis de casamento, o meu papel de mulher tem de se alterar para incluir a lida da casa, as lavagens de roupa suja, e cozinhar o almoço ou o jantar sempre que necessário for. Mais, não suporto ter de pedir que me façam coisas montes de vezes(como por exemplo limpar o bolor do tecto do quarto com lixívia, porque eu não queria tocar nesse produto OU no bolor enquanto estou grávida) e acabar sempre eu a resolver a situação - e sim, sou eu que limpo a caixa do meu gato.
Talvez esta rebelião interior que eu sinto neste momento tenha a ver com as hormonas da gravidez - mesmo assim, não acho que por ter casado o meu papel de mulher deva mudar. Até porque eu não sou uma mulher qualquer - eu sou uma mulher moderna, com uma carreira pela frente, e o meu trabalho é tudo para mim. A minha família é prioridade, mas por isso mesmo é que eu estou a trabalhar que nem louca, para poder manter os pagamentos das minhas contas e da minha parte da renda da casa, para poder comprar as fraldas, e o que quer que seja que a minha filha precisar. O dinheiro que o meu marido ganha mal dá para a parte das contas dele, quanto mais para esse tipo de encargos. Nesta altura, o meu trabalho é o que nos permite, como família, viver sem sobressaltos financeiros de maior, mas para além disso dá-me uma realização pessoal como eu nunca senti antes. Eu vou a sorrir para o meu emprego, eu fico feliz quando posso partilhar o meu conhecimento com os meus alunos e vice-versa. Mesmo que o meu dia esteja cheio de problemas, eu vou para a universidade de coração leve. É quando chego a casa que o coração me começa a pesar, e que as nuvens se começam a amontoar. Não, eu já não gosto de vir para casa, a casa para mim virou prisão.
E depois não é só isso, eu venho para casa, e não me sinto respeitada cá dentro. O marido ajuda a lavar a loiça, e pouco mais faz do que isso. Se o jantar não está pronto, acusa-me de o fazer passar fome, não repara que muitas vezes eu estou enroscada no meu próprio trabalho, a resolver complicações que precisam de ser resolvidas. Espera que eu esteja sempre disposta e alegre - não compreende que os meus dias começam às 7h da manhã e acabam muitas vezes para lá da meia-noite. Para além desta pressão entre a vida doméstica e a vida profissional, emergem-se incertezas em relação ao futuro. Cada vez me sinto mais desapoiada, e apesar de ter amigas que ouvem os meus lamentos, elas também têm a vida delas... O apoio familiar está em Portugal - um perto que é muito longe, principalmente naquelas noites em que as lágrimas caiem mas ninguém parece querer atender o telefone para me acalmar e dizer que tudo vai ficar bem.
E eu acabo sózinha num quarto a analisar o que foi que correu mal desta vez, e tentar encontrar saídas para esta prisão onde me encontro, e o silêncio é ensurdecedor. Quando a minha filha nascer, eu vou ter ela para abraçar e para me dar força. Até lá, tenho um marido que é tudo menos um marido - pois não entende que aos 5 meses de gravidez, com a carga de trabalho e de incertezas que eu tenho todos os dias, é difícil sorrir. Um marido que quando me leva a passear é sempre para ir ver a família dele, e normalmente isso implica quase 2 horas de viagem numa carrinha desconfortável e muita fome durante o dia, pois nunca pára para me dar de comer. Eu já decidi que com ele não vou mais para Londres.
Tenho um marido que sabe o nível absurdo de trabalho que eu tenho, e apesar de estarmos chateados um com o outro, traz família cá para casa para me dar trabalho, porque tenho de fazer sala, jantar, etc... Não que eu não goste de ter cá a família dele, mas desta vez deu-me a sensação que ele o fez para evitar conflitos de maior, ou para provocar ainda mais conflito, porque esqueceu-se que eu não posso dar atenção a ninguém quando tenho de criar um exame, dois testes de avaliação e um relatório PARA ESTA SEMANA. Não lhe perdoo. Não lhe perdoo a falta de consideração, a falta de atenção. Estou farta e não tenho paciência. Eu já tenho de tomar conta do ser que está dentro de mim, e esta crise entre mim e o meu marido dá-me vontade de sabotar tudo o que tenho, inclusivé a minha filha, porque acho que ele não merece ser pai quando nem sequer sabe ser um bom marido. Deus me perdoe, porque ontem fui para a cama sem comer. E hoje pouca fome tenho. Mas a verdade é que a minha filha não pediu a ninguém para ser criada, ela existe porque eu quis que ela existisse, e por isso mesmo a partir de hoje vou por ela à frente de tudo e de todos. O meu marido não merece muita coisa, mas a minha filha não merece ser colocada no meio destas disputas estúpidas.
Um casamento pode acabar de um dia para o outro, mas um filho dura para sempre, e por isso tudo o que tenho é e será sempre para a minha filha... Chega de injustiça.